Inaugurada em 1922, a Capela de Santa Luzia está passando por processo de restauração e conservação que recuperará todo seu esplendor arquitetônico original
Com projeto original do italiano Giovanni Battista Bianchi (1885-1942), maior arquiteto da colônia italiana, que chega a São Paulo em 1911 e fica conhecido como João Bianchi, o prédio da Capela de Santa Luzia, tombada pelo Condephaat (conselho estadual do patrimônio histórico), situado na propriedade do Cidade Matarazzo, passará por processo de renovação e conservação em duas etapas.
O primeiro é o processo de escavação. Um delicado projeto de engenharia executado nos últimos nove meses conseguiu deixar suspensa, a uma altura de 31 metros, uma capela de 1.200 toneladas do antigo Hospital Matarazzo, a uma quadra da av. Paulista, na região central de São Paulo. Vamos dar mais detalhes dessa etapa que está sendo desenvolvida brilhantemente.
A segunda fase da renovação será a conservação preventiva propriamente dita. A Capela será totalmente restaurada, incluindo seu mobiliário e objetos originais como imagens sacras, altar de mármore, bancos e genuflexórios, assim como a pintura da parede. A fachada neoclássica em tom de amarelo Sienna, que imita mármore, seguindo a antiga técnica de scagliola (amplamente usada na Itália desde o Renascimento), também será totalmente recuperada.
Com o acompanhamento dos órgãos responsáveis pela defesa do patrimônio histórico de São Paulo e do time de especialistas da Cidade Matarazzo, a revitalização da antiga Capela oferecerá ao prédio listado uma segunda vida, respeitando seu espírito, bem como reafirmando o importante legado da arquitetura italiana em São Paulo da primeira metade do século 20.
A operação, que surpreendeu quem mora e trabalha ao lado do terreno, foi projetada para proteger a estrutura da igreja de Santa Luzia durante as obras do futuro complexo Cidade Matarazzo: Ao redor da igreja, será construído um conjunto com hotel, shopping e uma torre de 22 andares assinada pelo arquiteto francês Jean Nouvel, vencedor do prestigiado prêmio Pritzker, em 2008, e autor do ambicioso projeto do museu do Quai Branly, em Paris.
“O parque do Matarazzo é uma sobrevivência. Diria até mais do que uma sobrevivência, é um oásis. É o lugar de uma urbanização calma. É o lugar de árvores incríveis: fícus, talaumas. E este hospital no meio é uma espécie de pequena cidade, muito bem organizada com seus pátios. Ao redor disso, uma cidade tumultuada. O que é interessante é trabalhar a partir da memória do lugar”, comenta Jean Nouvel.
Memória mantida através de grandes esforços da equipe de engenharia liderada por Maurício Bianchi, que, além de realizar a virtuosa tarefa de fazer flutuar a antiga estrutura, também precisou catalogar e remover todo o piso da Igreja para evitar possíveis danos durante as movimentações de terra. As peças removidas serão, ao fim, reinstaladas de acordo com a posição original.
Indagado sobre eventuais prejuízos ao edifício tombado, Bianchi afirma que “o resultado é impecável. Apesar da estrutura de tijolos antigos, não houve absolutamente nenhum dano.”
Em São Paulo, será o primeiro projeto do arquiteto. Em 2001, ele foi contratado no Rio para a instalação de uma filial do museu Guggenheim na região do Píer Mauá, mas a execução acabou barrada após polêmicas (inclusive pelo custo) que chegaram à Justiça.
De acordo com o engenheiro Maurício Bianchi, responsável pela obra no complexo Matarazzo, foi necessário manter a capela suspensa para aproveitar ao máximo o terreno de 27 mil m².
Ele explica que várias partes do antigo hospital são protegidas pelo patrimônio histórico, o que obriga o aproveitamento máximo de cada centímetro. Um sistema de oito profundas colunas —com 31 metros de altura, além de outros 23 metros sob o solo—conectadas por uma laje foi construído no entorno e abaixo da capela, que originalmente possuía só 1,5 metro de fundação.
Para evitar qualquer rachadura, a escavação das colunas não foi feita com bate-estacas, mas sim com uma perfuratriz de baixa percussão, da maneira mais lenta possível. “Eu deixava até um copo de água sobre o altar para ter certeza de que as vibrações eram mínimas”, conta Bianchi.

Crédito: Folha de São Paulo
Somente então foi iniciada a etapa mais delicada do procedimento. Através de processos como o hidrojateamento, espécie de bombeamento de água sob alta pressão, a terra acomodada sob o prédio foi lentamente removida —e a enorme estrutura se revelou.

Crédito: Gabriel Matarazzo – Exclusivo Folhapress
Ao longo de semanas, o solo abaixo da capela erodiu até que a construção se acomodasse sobre a nova sustentação. “Ficamos então ilhados”, brinca Bianchi, que precisou instalar uma espécie de ponte entre o nível da alameda Rio Claro e o perímetro da capela.
Abaixo da capela, serão construídos oito subsolos. Cinco deles serão destinados a estacionamentos. Os demais abrigarão áreas de apoio para o hotel (como cozinhas e cinema) e um espaço chamado “creativity center”, destinado a conferências e eventos.
Apenas o piso da capela Santa Luzia sofreu modificações. Para mantê-lo intacto e sem quebras, foi necessário desmontá-lo em peças, que foram catalogadas uma a uma, como em um quebra-cabeças. O altar também seria removido, mas os engenheiros temeram danos ao mármore e preferiram instalar sob ele uma laje adicional de sustentação.
Hoje, toda a área ocupada pelo antigo Hospital Matarazzo pertence ao empresário francês Alexandre Allard, conhecido por investir em projetos de modernização de edifícios antigos. O negócio foi fechado em 2010 pelo valor de R$ 117 milhões, após oito anos de negociação. A expectativa é que o restauro das instalações, assim como sua expansão, custe ao Grupo Allard R$ 1 bilhão e que a obra fique pronta no final de 2019.
“É como se estivéssemos re-energizando gemas adormecidas, renovando-as, dando-lhes nova vida. Gostaríamos de esclarecer que todas as etapas do processo de renovação deste projeto único estão sendo elaboradas com o máximo respeito ao patrimônio arquitetônico histórico da cidade de São Paulo. O que estamos fazendo é uma declaração de amor à São Paulo, uma homenagem a estas joias arquitetônicas que, depois de muitos anos, precisavam de um polimento para voltar ao esplendor original”, afirma o empresário Alexandre Allard.

Complexo Matarazzo
O hospital (cujo nome original era Umberto Primo) foi erguido em 1904 pelo empresário Francesco Matarazzo e se tornou um ícone da arquitetura neoclássica de São Paulo. O interior da capela Santa Luzia tem detalhes em escaiola amarela, técnica italiana do século 17 com pó de jaspe para reproduzir a textura polida e as cores do mármore.
Somente em 1986, os prédios que compõem o complexo foram tombados pelo patrimônio histórico e cultural do estado de São Paulo. A partir de 1993, com a falência da fundação que o administrava, o Hospital Matarazzo acabou fechando as portas.
Com cerca de 2.500 obras de engenharia no currículo ao longo de 65 anos de carreira, o engenheiro aposentado Mario Franco, de 89 anos, elege o projeto da escavação sob a capela de Santa Luzia entre os vinte mais complexos que assinou. Ele fez à mão os primeiros cálculos da estrutura construída sob a igreja.
“No Brasil, certamente é pioneiro. O que é importante é que a capela é muito pesada e a escavação, muito funda. Se você escava dois andares, é uma coisa, se você escava oito… Nunca tinha visto isso em lugar nenhum”, diz Franco, que passou pouco mais de quatro anos, entre 2012 e 2017, projetando o Cidade Matarazzo.
Segundo Mario Franco, a solução para a capela foi encontrada por ele e o engenheiro Carlos Eduardo Moreira Maffei diante dos planos irredutíveis do empresário francês Alexandre Allard, dono do empreendimento, de ter um cinema sob a igreja.
Franco conta que até haveria outras técnicas para executar a obra sob o templo – uma delas seria colocar trilhos sob a edificação e tirá-la do lugar, para depois recolocá-la onde esteve nos últimos 96 anos. Ele pondera, contudo, que mantê-la no lugar, transferir sua fundação e cavar abaixo dela foi a solução mais segura para a capela. “Outras obras já usaram trilhos para mudar um edifício de lugar, mas, estudando as várias possibilidades, a melhor, a que tinha menos risco, sobretudo menos risco de estragar a capela, foi essa”, afirma Franco.
Mario Franco cita como “chave” ao sucesso da empreitada abaixo da capela a utilização dos jatos de água de alta pressão que removeram, lenta e gradualmente, a terra sob a fundação original. “O hidrojatemento eu inventei na minha cabeça, depois de muitas noites de insônia”, brinca.
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Fontes:
- http://arquisp.org.br/noticias/capela-santa-luzia-ganha-nova-vida-junto-a-cidade-matarazzo
- http://saopaulosao.com.br/nossas-acoes/3947-igreja-é-suspensa-a-31-metros-para-ser-preservada-no-futuro-complexo-matarazzo.html#
- https://axpe.com.br/cidade-matarazzo-rosewood-sao-paulo/
- http://www.cidadematarazzo.com.br/site/pt/the-restoration-of-the-century-old-santa-luzia-chapel-at-the-property-of-cidade-matarazzo/
- https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/07/igreja-flutua-a-31-m-para-ser-preservada-em-obra-na-regiao-da-paulista.shtml
- https://www.archdaily.com.br/br/785210/jean-nouvel-divulga-projeto-de-torre-em-sao-paulo